LIRA LIBERTÁRIA

Em 1976, recém chegado ao Rio, onde morei por três anos, fui apresentado ao poeta Potiguar Paulo Augusto que acabava de lançar seu livro, falo e o distribuia no corpo-a-corpo com o leitor, como era usual naqueles idos da ditadura e da poesia marginal. Anos depois, participávamos, nós dois (além de Leila Miccolis, Gasparino Damata, João Silvério Trevisan, e outros literatos e intelectuais), da equipe que, sob a editoria de Agnaldo Silva, colaboria no primeiro tablóide gay LAMPIÃO DA ESQUINA. Desde então paulo foi em frente na carreira jornalística, aliando o profissionalismo à luta minoritária.

Naquele momento, Falo representava  um marco histórico na poética homoerótica brasileira. Ilustres antecessores, como Mário de Andrade e Mário Faustino, não quizeram (ou não  pderam)  avançar tão longe na explicitação do amor masculino, algo que,  em nosso idioma, só fora alcançado pelo Português Antônio Botto. O único paralelo nacional seria, talvez, Roberto Piva. Meus próprios versos escancaradamente homoeroticos ainda estavam por sair.

Paulo Augusto foi, portanto, precursor de toda uma safra de poetas setentistas e oitentistas cujo lirismo já não ousava esconder  seu nome. O verso livre é, para ele, não apenas o canal mais direto às indiretas certeiras, da declaração de amor do protesto político, mas também a expressão literária dum momento em que confluíam  referências modernistas (drummondianos e andradianos) de cambulhada com a lira pós-tropicalista (então muito viva na voz dum Ney Matogrosso) e com as cantorias de cordel de seu estad natal (um dos centros irradiadores dessa cultura popular). Eis a geleia geral da qual Paulo Augusto extrai o “que”, e “como”, o “onde”, e o “por que”. Graças à autonomia e à autenticidade de seu verbo claro e preciso, o “quando” é representado pela ocasião propícia em que Falo veio à luz, dividindo águas entre a decadente marginalidade de Madame Satã e o alvissareiro ativismo das minorias na década da redemocratização.

Num novo século, em que a bandeira do arco-íris já abre paradas do orgulho gay que engajam meio milhão de militantes ou simpatizantes, mas uando ainda se lincham casais masculinos em praça pública, nada mais oportuno que uma reedição de falo, cujo duplo sentido não pode ter hoje a mesma ousadia, porém remete a outro trocadilho inevitável: se algum poeta omisso lançasse um livro intitulado CALO é porque tem algo a serpisado. Um direito de todo masoquista, pelo qual Paulo Augusto também lutou, ao falar por si e por todos nós.

GLAUCO MATTOSO

ESCRITOR E POETA PAULISTA
Agosto de 2002

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