APRESENTAÇÃO

A poesia gay já existe quando menos há 3 mil anos na tradição ocidental, quando o jovem Santo Rei Davi – O Grande salmista da bíblia, escreveu em prosa o que originalmente deve ter sido pensado em verso – sua grande jura de amor para o bem-amado Jônatas: “teu amor me era mais desejado do que o amor das mulheres: tu me eras deliciosamente querido.”

No Brasil, a homossexualidade já estava presente em nossa terra muito antes da chegada dos colonizadores: cronistas e missionários portugueses e franceses disseram ter aqui encontrado muitos índios e índias praticantes do “mau pecado”. Logo nas primeiras décadas após a conquista, ‘sodomitas” são degredados para o Nordeste brasileiro, confraternizando carnalmente com os índios e africanos. Havia, porém, um grande senão: durante os três primeiros séculos de nossa história a ‘santa inquisição – aquela terrível e incendiária vaca sagrada – tinha plenos poderes para perseguir, prender, sequestrar, açoitar e queimar na fogueira os inculpados no abominável e nefando pecado de sodomia”, sendo responsável por um clima de terror homofóbico que inibiu aos amantes do mesmo sexo deixar por escrito, em prosa ou verso, as delícias ou angústias deste amor proibido, provas perigosíssimas de um crime nefando.

Esta rigorosa perseguição e criminalização do “amor que não ousava dizer o nome” foi a grande responsável por ter silenciado a veia literária dos “filhos da dissidência” – significado apelativo como os antigos teólogos e moralistas designavam esta tribo clandestina, a quem nossos bisavós apelidavam de “fachonos”, e que hoje são chamados de  bichas, frescos, baitolas, viados, chibungos, pederastas, gays, homossexuais, rapazes alegres,  et caterva. Tribo que os sexólogos avaliam representar 10% da humanidade, e que apesar de ostentar inegáveis especificidades históricas e diversidades culturais, tem um definidor em comum: são amantes do falo, adoram esse apêndice de carne cavernosa estrategicamente situado ao alcance fácil das mãos, que se encaixa tão prazerosamente nos dois orifícios úmidos do corpo de outro macho, que lutam espada sem se ferir, onde tamanho nem sempre é documento, e que, algumas vezes, se “desembreiam mano a mano”, como dizia jocosamente o poeta Gregório de Matos, o boca do inferno, acusado às autoridades inquisitórias justamente por ter proferido a mais cabeluda das blasfêmias: disse que “Jesus Cristo era nefando”, isto é, homossexual.

Falo, do jornalista e homem de letras Paulo Augusto, é e um marco emblemático na história da literatura brasileira, um destaque lapidar nesta delicada e pequenina subárea da cultura ocidental, representada pela poética homoerotica. Marco histórico pelo pioneirismo: sua primeira edição, Rio de Janeiro/1976, antecede alguns meses à fundação do próprio movimento brasileiro de libertação homossexual. Até aquela época, quem ousava proclamar ‘é maravilhoso ser fresco, trans-viado”estava sujeito não apenas ao estigma e opróbrio popular, mas corria até o risco de ser processado pela polícia federal – como ocorreu com os fundadores do citado jornal gay tupiniquim, O Lampião, cuja circulação nacional coincide com o mesmo ano da publicação destes poemas. Falo destaca-se igualmente pela delicadeza e explicitude como temas tão nefandos, isto é, que não podiam ser pronunciado, são explicitados com graça, realismo e primor. É um livro que faz pensar, que dá tesão, que surpreende pela inteligência e inventividade dos “jeux de mots” (trocadilho é simplório demais), que força a simpatia pela liberdadedo amor.

Falo é um livro de macho, pois se ainda hoje, já no terceiro milênio, é preciso ser muito macho para ser bicha, o que dizer de um nordestino desterrado no Rio de Janeiro, mais precisamente, na lapa, que há mais de três décadas ousou assumir seu desejo/amor pelo objeto que sintetiza eroticamente o poder masculino.

Falo reúne poemas maravilhosos de um ser humano dotado daquela rara sensibilidade que só os machos/fêmeas, os que reúnem em um só corpo de Narciso os encantos de Hermes e Afrodite – uma espécie de excepcionais hemarfroditas pisicossociais – privilégio e “anormalidade” que só nós, homoeróticos assumidos, temos a virilidade e hombridade de afirmar – como faz a metade da humanidade constituída pelas mulheres – que não existe coisa mais deliciosa do que um bom falo.

Realidade que, lastimavelmente, 40% humanos representados pelos homens heterossexuais, por auto-repressão e imposição desta cruel sociedade falocrática, não ousam experimentar ou assumir o quão prazeroso, reconfortante e realizador é o encontro pacífico, mas ativo, de duas espadas... ou dois falos.

Luiz Mott

Antropólogo, Fundador do Grupo Gay da Bahia e comendador da Ordem do rio Branco.

Salvador da Bahia de todos os Santos e Santas.

Setembro, 2002

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